quando esta água que nos corrói a pele aos poucos e nos leva as camadas outrora decoradas por lábios alheios nos afunda e entra pela minha boca em bolhas incessantes, eu fecho os olhos e ouço a música embaciada pelas paredes. em cima de mim apenas um teto branco e húmido, e eu sentada neste banco de inox deixo que a minha nuca recoste. os poros estão abertos e a água embala-me deixando dentro das minhas pálpebras apenas uma visão quimérica que por alguns eternos segundos chega a ser real. nas gotas que me molham os lábios a tua língua toma lugar e no toque ocasional que resulta de um roçar temido e contido do meu tornozelo nas tuas coxas agarras-me com os teus dedos grossos e massajas-me os músculos. só nos meus cabelos molhados repousa uma réstia de sanidade que se solta contra as ondas forçadas e se molda ao meu desejo inocente de concretização. olho para ti depois de abrir os olhos e o cloro que nas minhas pestanas se instala escorre até ao interior da minha boca. saboreio cada lágrima ádvena como a saliva do teu palato, desvio o olhar para a luz que na água quente se tonaliza de azul néon, solto um suspiro de permanente desejo, inconsequente busca, eterna insatisfação.
tenho medo de soltar a mão do ferro metalizado à qual a fundi, medo de cair na água sobre a qual flutuo, afogar-me se deixar o corpo chegar à superfície. o meu pescoço exterioriza o ritmo da minha pulsação amenizada, mergulho pelo ar acima e sufoco com o oxigénio que te alimenta, com a concentração de pureza que lhe falta. a atmosfera pesa com todo o silêncio que lançamos com a nossa respiração ofegantemente controlada, a gravidade empurra-me para cima e não te arrasta para mim, a voz com que me falas soa a desconhecido e só o meu corpo consegue transpor a fronteira entre nós, na minha pele escamosa a tua boca é alga venenosa. o teu veneno é cura. a cura é ar. o ar é não respirar.
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