terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

casa no campo


abraçar-te na madrugada, gelada e sibilante.
tirar-te a roupa com ternura e cuidado, beijar-te ofegante.

fico, não obstante, agarro-te as pernas, objeto cortante.
olho, amante errante, suspiro pesado, língua fumegante.

viras, nas noites frias, pergunto-me sempre como me vias.
adias, frases sombrias, quando me falas e me asfixias.

é diferente, mão no meu ventre, sangue no dente, mesmo à minha frente
a lente continua quente, ainda me mente, por mais que eu tente.
e o aguardente, modo vidente, desce latente, aqui fervente.

eu corro e no sufoco encontro-te eternamente
no meio da multidão, a ti, que és tanta gente.
nem precisas de perguntar o que a alma sente,
porque o corpo não mente quando te ama

assim

sempre
cruelmente







terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

o lume, o fumo, o perfume, o cheiro

tu fumas à janela, olho para ti espelhado nela
a noite é longa e dentro dela a chuva pinta uma aguarela
somos tu e eu, só tu e eu


e é quando me tocas que eu sei por que é que eu ainda não te ultrapassei


sono tenso, sonho intenso, entre nós só fumo denso



eu vejo-te despido, dou-te um beijo corrompido
a alma grita num gemido, o som do desejo corroído
somos tu e eu, só tu e eu.
tu e eu, só tu e eu.
olho para ti e sinto-te perdido
nesse lugar de fantasia indefinido
e pedi que não tivesses nunca ido
mas no meio da súplica toda o resultado foi o mais temido

o lume, o fumo, o perfume, o cheiro
o lume, o fumo, o perfume, o cheiro
o lume, o fumo, o perfume, o cheiro
o lume, o cheiro

e agora que navegas no paraíso
eu piso este caminho impreciso
e levo-te comigo indeciso
enquanto te grito que és tudo o que preciso

toco a tua pele com as mãos quentes
passo a língua pelos teus lábios e uso os dentes
e no meio dos demónios insistentes
nós os dois somos corpos coerentes


falas e dizes que te pertenço
fecho os olhos e já não penso
sono tenso, sonho intenso
entre nós só fumo denso
fumo denso, só fumo denso
fumo denso


quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

Can you show me how tender you can be?

três
seis
cinco

trezentos e sessenta e cinco

passaram trezentos e sessenta e cinco dias desde o momento em que me deitei na tua cama e fiz dela templo. há esse número de dias atrás o meu corpo sofreu a catástrofe totalmente trágica de se cruzar com o teu, de o consumir como água onde só o sal matava a sede. esta aflição foi sendo amenizada pelas memórias que a minha mente utilizava como analgésicos narcotizantes. a imaginação dava a sensação de algas como correntes, sempre a prender-me suavemente pelos tornozelos e a não deixar nadar para a superfície.

trezentos e sessenta e cinco dias ensinaram-me a respirar o oxigénio do mar, deram-me barbatanas (sujas) para correr, descamaram-me a alma.

esperei por ti em todos eles. mesmo não te querer era uma forma muito desesperante de esconder a ansiedade de já não aguentar mais sem te ter. deixei que tanta água me escorresse pelo corpo, sempre sedenta de ti. todos os semáforos vermelhos eram tu - os verdes também, e os amarelos principalmente. sabias a luz néon na boca, ininterrupta e impossível.


trezentos e sessenta e cinco dias depois regressas com os teus dedos, com a tua pele, com a tua língua na minha orelha e a tua mão esquerda no meu pescoço. regressas com a tua força sobre mim, com os mesmo lençóis na cama e as mesmas gotas de suor a escorrer pelas fontes e nuca. a atmosfera é outra, nós somos outros, mas ter-te dentro de mim tem o mesmo sabor salgado da primeira vez.



sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

teardrop

consentes e cedes ao gemido que embacia os vidros, o vapor salgado que inalo metamorfoseia-se em mercúrio numa ferida aberta, a cura tradicional para rasgões da pele, e a gaze cola à carne e arranca tecido.
este plenilúnio transforma-me e a cor dos meus músculos adquiriu as tonalidades de um poente amarelo, rosa, roxo, azul. os teus dedos em forma de punhal roçam suavemente as veias do meu pescoço e ameaçam rasgá-las, para logo depois se transformarem em correntes e me apertarem a traqueia ameaçando-me com a asfixia.
os teus dentes deixam relevo na minha carne ao disputar com os ossos o território ao qual o meu sangue aflora imediatamente, desejoso de se entregar ao teu palato. a minha saliva, o meu ADN.

a sinceridade que as tuas mãos emprega na minha pele ultrapassa o entendimento geral da nossa consciência e os meus dedos retraem à queimadura de te ter em posse. os meus olhos ainda não souberam dilatar suficientemente, continuo a ver-te por uma margem de sonolência estupefaciente.

o paraíso parece demasiado nítido para mim, entrego-me à escuridão como única possuidora da minha clarividência, onde te deleitas e pernoitas agarrado ao meu corpo como inimigo, combatendo-me como fera, atirando-me para o recanto da minha própria miséria, onde aprendo a dor de enfrentar o chão com as ancas, onde caio infinitamente de uma cama que quase me pertence de tanto tempo lhe dedicar com a memória.



quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

strangulation

quando as tuas mãos me levam ao sufoco e eu só sinto ternura a alimentar-me as células.
agarras-me com as pernas e braços e eu fico presa no teu corpo de onde me tento libertar, onde me sinto calorosamente acolhida.
o teu cheiro fica-me na roupa e as marcas dos teus dentes na pele.
os ossos doem-me e os músculos incham. tenho hemorragias internas por tentar soltar-me de ti.

há um encaixe muito próprio e singular, o encaixe que a minha anca conclui ao encostar-se à tua, um encaixe que é mais simbólico do que físico
e simboliza

a fervura
o som do ar a roçar os teus dentes quando o puxas forçosamente para dentro
o calor
o ruído que a tua respiração faz quando estás prestes a adormecer
a febre

de estarmos quase dentro de uma moldura, do mesmo caixilho, sem saber se seremos capazes de viver com o ar do hálito um do outro a servir de bomba de oxigénio,
sem saber se aguentaremos o peso esmagador de um vidro demasiado frágil para que não o partamos com um simples suspiro,
sem saber se queremos dar o passo de posar para a mesma fotografia.



entretanto
peço-te
que me asfixies
como tens feito

porque nunca

em toda a minha vida

respirei um ar tão puro