como te agarro a réstia de presença na estação de comboio nos olhos embaciados pelo rímel que a água não lavou no adormecer no meio de ti quando os teus beijos sabem ao arrebatado amor e as minhas mãos trazem poemas que os teus lábios nelas escreveram
a minha anca
o meu ventre
a pele que cobre o quadril
na falta que me continuas a fazer quando nunca chega nem é suficiente que me beijes enquanto me agarras o pescoço
o teu indicador na minha jugular
eu bêbada de whisky e saudade
a subir as escadas que dão acesso ao teu quarto em bicos de pé
sentada no chão da tua varanda a dois metros de distância de ti
o mar iluminado pela lua tão perto
o frio em contacto com o meu peito
e as luzes de todas as casas apagadas
depois o chão do teu quarto e um valete de copas
a tua mão na minha nádega esquerda
eu de cabeça pousada no meu braço direito sob a tua colcha nova
a quase instintiva forma como colocaste o teu braço esquerdo debaixo do meu pescoço, ao longo das minhas costelas
como me beijaste suave e levemente
eu ainda ressentida secretamente por não te teres despedido de mim com algo mais que dois beijos na cara no fim-de-semana passado
depois de passarmos tantas horas seguidas juntos
e a partir das cinco horas da manhã não nos beijámos mais.
regressei a casa frustrada pela falta do teu beijo
fiquei insuportável
porque não me beijaste na estação
nem sequer me abraçaste
mal me tocaste
perguntei-me se a melancolia poderia saber pior um hálito de fracasso na boca
uma sensação de falhanço no corpo
passei a semana numa taciturnidade misantrópica
isolei-me da tua presença com omnipotente orgulho sem te dizer ou mostrar
e quando ontem chegaste ao pé de mim
não te reconhecia em mim sem saber se te queria dar-me e tão convicta de que era tua
e de que ainda o sou
tão natural esta incompreensibilidade
hostil à minha inerência de ti
depois
já nos teus braços
apercebi-me de que te tinha sentido a falta em todos os sentidos
senti a distância de uns dias sem te ver a pesar no meu corpo despido
quase fiquei sem voz quando te disse como tinha sentido saudades
tuas
e sem ar quando me apertaste com mais força
caminhei pelas ruas molhadas de regresso à estação
desta vez ressentida por ter de ir embora
já farta da imagem de te deixar na cama quando a manhã ainda está a rebentar
as gotas de chuva nos vidros dos carros
o som do bater do teu portão
a náusea os suores frios o peso nas pálpebras
ressaca de não te ter
ainda pensei dizer-te palavras arrebatáveis acerca do que sinto quando não estás ou estás e chegas
talvez nem sequer te recordasses quando acordasses
podia culpar o álcool a overdose de ti tão repentina
mas as palavras
fogem-me
ou mingam em tamanho e intensidade
tão reduzidas a definições vãs
apesar do seu peso colossal
optei pelo silêncio da voz
pelo ranger dos meus dedos na tua nuca
e esclareceste-me em resposta
com as tuas mãos no meu corpo
a tua boca na minha pele